Falece José Mindlin,o homem dos livros!

O empresário e bibliófilo José Mindlin, de 95 anos, faleceu na manhã deste domingo no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, em decorrência de falência múltipla de órgãos. Ele foi enterrado à tarde no Cemitério Israelita da Vila Mariana, em São Paulo.

Mindlin, que era membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), estava internado havia um mês para tratamento de uma pneumonia.

Ele reuniu ao longo de oitenta anos uma biblioteca, chamada Biblioteca Brasiliana, que é considerada a mais importante coleção do gênero no Brasil formada por um particular. Ele e sua mulher doaram o acervo no ano passado à Universidade de São Paulo.

O conjunto de livros e manuscritos inclui cerca de 40.000 volumes, entre obras de literatura brasileira e portuguesa, relatos de viajantes, manuscritos históricos e literários (originais e provas tipográficas), periódicos, livros científicos e didáticos, iconografia (estampas e álbuns ilustrados) e livros de artistas (gravuras).
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Mindlin fundou a indústria de autopeças Metal Leve, onde ficou até 1996.
Fonte:Texto da Veja Online/Com Agência Estado.

O AMADOR
Quando estivermos andando pela Biblioteca Brasiliana da USP, em São Paulo, José Mindlin estará lá. Quando estudantes estiverem consultando textos, relatos de viagens, obras raras, documentos de um Brasil antigo, livros de estudo, Mindlin estará lá. Ele vai rir em alguma estante, por algum instante, quando o livro capturar alguém, e ele pensará:

— Ah! mais uma pessoa que pegou o vírus daquela doença incurável: o prazer de ler.

Doença que ele confessava ter e querer espalhar pelo Brasil. E quanto mais os vírus que ele deixou por aí se espalharem mais chances teremos.

(...)

Mindlin salvou obras do esquecimento, correu mundo atrás de nossas preciosidades desgarradas, gastou dinheiro com livros, mas não pelo prazer da propriedade. Ele era um amador.

“Amador de livros e de leitura”, escreveu Antonio Candido. Mindlin se deliciava contando a história do encontro com cada exemplar. É famosa sua história, com várias idas e vindas, de como ele conseguiu a primeira edição de “O Guarany”, de José de Alencar. Perseguiu o livro por 17 anos e acabou conseguindo...

Ele exibia orgulhoso preciosidades da sua biblioteca, como a primeira prova tipográfica que viera da gráfica, em que Graciliano, de próprio punho, riscou o título pensado originalmente “O mundo coberto de penas” e escreveu o definitivo: “Vidas Secas”. Quem admira o estilo enxuto e exato de Graciliano sabe que o livro só podia mesmo ser “Vidas Secas”. O exemplar corrigido de “Grande Sertão: Veredas” mostra cada minúcia, cada dúvida, cada corte; mostra parágrafos unidos e desunidos pelas mãos de Guimarães Rosa. É delicioso constatar que no livro, com o qual nos encantou, Guimarães Rosa trabalhou com o cuidado de um ourives.

Penso nos que se apaixonarem no futuro pelo “Grande Sertão” e puderem consultar, em computadores, digitalizadas, as páginas que foram salvas por Mindlin, para que os brasileiros se entendessem melhor. Penso nos que olharão por dentro das nossas obras-primas, lerão os relatos dos viajantes que chegaram aqui séculos atrás. Penso no privilégio que devemos a ele, o guardador de livros.

Será que chegamos ao tempo do livro eletrônico? À era da linguagem cifrada das redes sociais? Sim, chegamos. E isso é o fim do livro? Isso ameaça o tempo da colheita dos frutos semeados pelo gigante do livro, José Mindlin? Não ameaça. O mundo vai avançando e encontrando novas formas de exibir a linguagem. O livro é uma solução magnífica que tem 500 anos. Mas é a leitura que importa, o prazer da leitura é que deve ser ensinado às crianças no tempo do livro impresso ou do texto digital. O templo não são as paredes do edifício, mas o espírito que ali habita. Assim eram os livros para José Mindlin. Assim são os livros. Eles permanecerão se tiverem guardiões.

(...)

(...)

A tendência será dizer que ficamos mais pobres sem ele. Mas José Mindlin, filho de russos, nascido em São Paulo, iniciou sua biblioteca aos 13 anos, viveu a vida inteira para os livros, e doou parte desse acervo ao povo brasileiro.

No meio do caminho, fez várias coisas. Foi jornalista, porque terminou o ensino médio cedo demais para entrar na faculdade. Foi advogado, por profissão. Foi empresário, por acaso. Um dia, de um tempo doido, foi secretário da Cultura de São Paulo e escolheu, pelo excelente currículo, o jornalista Vladimir Herzog para chefe de jornalismo da TV Cultura. De lá saiu depois do assassinato de Herzog.

Mindlin foi muito e fez muito. Espalhou tanto bem que é impreciso dizer que somos mais pobres sem ele. Ficamos mais ricos, por ele.
Fonte:Texto de Míriam Leitão e Alvaro Gribel/2.3.2010(O Globo)

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