João Silvério Trevisan recebe o prêmio de melhor romance do ano pela APCA


O escritor João Silvério Trevisan recebeu o prêmio de melhor romance do ano pela Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), com seu novo livro Rei do Cheiro. A cerimônia de premiação ganhou um brilho especial com a divertida apresentação dos atores Maria Fernanda Candido e Dan Stulbach. Ao contrário do que uma parte da imprensa preconceituosamente publicou, o Rei do Cheiro não é um romance com temática homossexual.

O livro aborda criticamente a formação e o crescimento da moderna elite brasileira, inchada com seus novos ricos. Trata-se de um panorama histórico do Brasil contemporâneo, construído ficcionalmente a partir de fragmentos sociais produzidos pela mídia no período de 1950 a 2006.

Subterrâneos do poder

No enredo de Rei do Cheiro, o personagem Ruan Carlos Coronado é o passaporte de embarque para uma viagem vertiginosa, cuja atração principal é um enorme espelho onde se reflete o avesso do glamour e do poder.

A saga começa com a migração do jovem e ambicioso Ruan para o centro de São Paulo, em busca do "sonho dourado". Fabricando produtos cosméticos no fundo de sua loja na Rua 25 de Março, começa a construir uma pequena fortuna. O sucesso comercial é atingido com o desodorante My Fire, produzido com ylang-ylang, essência com efeitos afrodisíacos.

Mas o momento crucial do romance se passa em 2006, durante os ataques do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC) - rebatizado CROC (Comando Revolucionário Organizado do Crime). É durante a inauguração de um teatro em São Paulo, onde está reunida a nata da elite brasileira, quando os bandidos do CROC articulam um explosivo sequestro.

Instala-se uma situação parecida com a que o cineasta Luís Buñuel explorou no filme O Discreto Charme da Burguesia. É nesta situação limítrofe que a elite e o próprio Brasil se revelam em sua verdade.

Caos


O final de Rei do Cheiro aponta dois fatos. Primeiro, instalou-se o caos na realidade brasileira sem que ninguém se incomode em identificar quem são os verdadeiros bandidos.

Como escritor ficcional, ensaísta, roteirista, diretor de cinema, dramaturgo, coordenador de oficinas literárias, jornalista e tradutor, segundo a APCA, os críticos de arte premiaram a obra de um intelectual maduro e multifacetado. Para a associação, Trevisan é conhecedor das fronteiras exatas de suas facetas, sendo que cada uma delas se dedica a batalhas distintas de uma guerra única: viver e compreender o mundo atual.

Acompanhe o bate-papo com João Silvério Trevisan

Os extremos da vida do seu protagonista, Ruan Coronado, são de tal modo invadidos pela presença midiática que acabam se transformando quase num reality show. Você acredita que a sociedade contemporânea se tornou um produto da indústria cultural?

João Silvério Trevisan - Desde a invenção do rádio, a indústria cultural vem crescendo e se impondo. Na sociedade contemporânea, somos manipulados 24 horas por dia pela publicidade, pelas novelas, pela música comercial, pelos programas de entretenimento, através dos quais aprendemos a consumir tudo o que for mais óbvio. Estamos de tal modo expostos que nossas vidas se tornaram um grande reality show. O sucesso de programas como o BBB ou A Fazenda se explica por espelharem nossas necessidades exibicionistas, que por sua vez precisam do voyeurismo para se completar. Somos ao mesmo tempo exibicionistas e olheiros. O entorpecimento daí resultante é uma maneira de enfrentar nossa espantosa solidão.

Ismael, o líder do CROC, é um bandido politizado, bonitão e fã de filmes clássicos. A população das periferias de São Paulo envia mensagens de apoio a Ismael. Você acha que os moradores da periferia estão a favor dos bandidos?

JST - Se a impunidade grassa entre a elite no poder e aí um grupo vem se contrapor a essa elite, mesmo que fora dos padrões legais, é natural que os excluídos do grande poder tenderão a sentir simpatia com os rebelados, mesmo porque são muitas vezes eles próprios inimigos dessas leis. Os ataques do PCC em 2006 tiveram clara aprovação de certos setores da população menos favorecida das periferias, como era possível constatar nas ruas e nas reportagens dos jornais. Muitos jovens, sobretudo, saudaram a explosão tanática das chamas de maio de 2006 como uma possível saída para sua revolta. Nas minhas pesquisas, encontrei muitos grupos de rap afinados com as propostas destrutivas do PCC - e não só na internet. No próprio centro de São Paulo pude encontrar CDs que louvavam a valentia dos bandidos do PCC. Aproveitei sugestões dessas canções no meu romance e às vezes até usei pequenos trechos de letras, temperando os paradoxos. O leitor poderá ver como aquilo é de uma selvageria assustadora. E, com certeza, não saiu da minha cabeça de ficcionista.

Qual a importância de Rei do Cheiro para a sociedade brasileira hoje?

JST - Bom, eu não acredito em missão salvacionista da produção ficcional e das artes narrativas. Mesmo porque denúncia virou função da mídia. Mas sempre achei que escritores podem ser para-raios do seu tempo e, através da expressão ficcional, têm potencial para transformar a realidade em alguma coisa para além dela, algo que se poderia chamar de Poesia, se isso for entendido como a capacidade de escancarar a crise de modo visionário. Sempre acreditei que há um paralelismo entre o profeta e o poeta. Então, com Rei do Cheiro, o que pretendi foi exatamente isso: marcar a lembrança com ferro em fogo. Se há alguma importância no que faço, e eu acho que há, então deve ser essa capacidade de insistir que o rei está nu e de inventar formas de sobreviver, com um fio tênue de esperança. Mas até quando?

Fonte:Wagner Ribeiro, do MundoMais/Especial para BR Press.Yahoo!Notícias.

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