Morre aos 77 anos o escritor policial Robert B. Parker

Robert B. Parker, cujo estilo sucinto e eloquente fez do investigador particular Spenser um dos mais reconhecíveis personagens de ficção de Boston, sofreu um ataque cardíaco em sua escrivaninha, na casa em que vivia em Cambridge. Ele morreu na hora, aos 77 anos.

Musculoso e áspero como seu criador, Spenser tinha outros traços em comum com Parker. Por trás de uma aparência externa combativa, os dois gostavam de comida fina acompanhada por uma boa cerveja. Os dois tinham um senso aguçado de humor e seguiam um rígido código de honra.

Ao longo das três dúzias de romances protagonizados por Spenser que ele deixou, Parker apresentou a cidade de Boston a milhares de leitores; a cidade era protagonista tão importante de suas histórias quanto o corpulento investigador que as estrelava. Em um gênero previsível, Parker criou um detetive complexo e dotado de um lado sensível. O diálogo sardônico entre Parker e a perpétua namorada Susan Silverman, que trabalha como psicanalista, representa uma releitura moderna da troca de farpas verbais entre os personagens Nick e Nora Charles, criados gerações antes pelo conhecido escritor policial Dashiell Hammett.

"Ele foi responsável por uma virada sísmica na literatura policial", disse Dennis Lehane, um escritor de grande sucesso de venda cujos romances Mystic River e Gone, Baby, Gone, foram adaptados para o cinema. "Ele subitamente tornou os romances policiais sexy, no melhor sentido do termo. Havia uma forma de ficção policial antes de Bob, e outra depois dele".

Joseph Finder, outro escritor de Boston, autor de romances de espionagem, disse que Parker "tomou as histórias urbanas de detetives particulares, que estavam estagnadas há anos, desde James M. Cain e Raymond Chandler, e as revitalizou. Ele incorporou muitas das linhas temáticas padronizadas -o detetive durão, solitário, o homem honrado percorrendo as ruas perigosas- e as atualizou, de modo que o personagem Spenser se tornou quase um avatar do escritor -um homem que cozinhava e que sempre foi extremamente dedicado a uma mulher, da mesma maneira que Bob Parker com relação à sua esposa, Joan".

Com 65 livros publicados em 37 anos de carreira, Parker era tão prolífico quanto culto. Usou Spenser -"escrito com S, como o poeta inglês"- em 37 desses romances. Também escreveu 28 outros livros, entre os quais uma série protagonizada por Jesse Stone, o chefe de polícia da fictícia Paradise, Massachusetts, e uma por Sunny Randall, uma investigadora particular em Boston.

Seu mais recente livro, Split Image, protagonizado por Stone, deve sair no mês que vem, informou a agente de Parker, Helen Brann, de Nova York.

O personagem mais conhecido do escritor foi transformado em série de TV, Spenser for Hire, estrelada por Robert Urich. As histórias de Jesse Stone foram adaptadas para a televisão, em filmes estrelados por Tom Selleck; e Appaloosa, uma história do velho oeste que Parker escreveu em 2005, foi adaptada para o cinema em 2008, com direção e interpretação de Ed Harris, cujas estantes abrigam prateleiras inteiras das obras de Parker.

"Robert escreveu sobre a amizade entre dois homens de uma maneira que me inspirou", disse Harris sobre Appaloosa. "Era uma história perfeita, uma ótima sensação".

Parker, acrescentou o ator, "era um tesouro nacional. Eu o amava, e vou sentir sua falta".

Brann, que representa Parker há 42 anos, disse que ele teve um ataque cardíaco quando sua mulher não estava em casa. "Ela falou com ele mais cedo, e saiu para uma caminhada. Quando voltou, uma hora mais tarde, ele havia morrido", disse Brann. "Estava em sua escrivaninha, como quase sempre".

Produzindo quase cinco páginas de texto ao dia, Parker mantinha um ritmo que poucos escritores são capazes de imitar. Quando perguntado sobre o seu segredo, ele fazia tudo parecer simples.

"A arte de escrever um bom policial é simplesmente a arte de escrever", ele disse ao Boston Globe em 2007. "Você cria personagens interessantes e os coloca em circunstâncias interessantes, e depois descobre como livrá-los delas. As pessoas usualmente não se surpreendem com os finais dos meus livros".

Talvez, mas leitores de todo o mundo corriam para devorar romance após romance. Brann estima que Parker tenha vendido mais de seis milhões de livros em todo o mundo, ao longo de sua carreira. Seu trabalho foi traduzido para 24 idiomas.

Ele era professor de inglês na Universidade Northeastern quando começou a escrever os romances protagonizados por Spenser, cujo primeiro nome jamais é revelado. Parker não apreciava a vida acadêmica e não escondia sua animosidade, já na primeira sentença de seu primeiro romance: "O escritório do reitor da universidade parecia o saguão de um bordel vitoriano bem sucedido".

Em 1975, Walter Robinson, resenhista do Boston Globe, recebeu positivamente God Save the Child, o segundo romance de Parker: "Spenser está de volta, e ainda bem que isso aconteceu rápido o bastante para que os apreciadores dessa rara combinação entre boa literatura e bom romance policial possam desfrutar".

Parker se criou em Springfield, onde ele conheceu Joan Hall em uma festa de aniversário quando os dois tinham três anos de idade. Voltaram a se encontrar anos mais tarde, no Colby College, no Maine. Ele decidiu conquistá-la. Ela primeiro resistiu, mas terminou cedendo. Casaram-se em 1956.

"Ele era muito inteligente, e sabia disso, e eu apreciava o fato", ela disse ao Boston Globe em 1981. "Sempre foi o único homem que não me entediou".

Depois de servir o exército, Parker teve diversos empregos antes de fazer seu doutorado em literatura inglesa na Universidade de Boston.

No começo dos anos 80, o casal se separou mas posteriormente os dois voltaram a viver juntos, sob um arranjo que reconhecem publicamente como incomum, mas que funcionou para eles: compraram uma casa grande em Cambridge, e cada um tinha uma ala separada.

Parker dedicava todos os seus livros à mulher, e disse ao Boston Globe em 1992 que "ela foi o fator central da minha vida desde que eu era criança. Não é possível me compreender sem compreender o que me une a ela".

Além da mulher, Parker deixa dois filhos ¿David, de Nova York, e Daniel, de Santa Monica, Califórnia. A família planeja uma cerimônia fúnebre.

A despeito da riqueza e da fama propiciada pela televisão, cinema e vendas mundiais, Parker "era um sujeito muito confiável, um homem despretensioso", disse Kate Mattes, proprietária da livraria Kate's Mystery Books, em Cambridge, há 26 anos. "Ele jamais era arrogante, jamais se gabava, ainda que certamente tivesse o direito de fazê-lo".

Parker, que muitas vezes se comparou a um carpinteiro que faz livros, ajudou outras pessoas a aprender o ofício.

"Minha dívida é imensa, e sempre fui muito claro quanto a isso", disse Lehane. "Meu primeiro livro tem tanto de Robert Parker no primeiro capítulo que até me surpreende que ele nunca tenha me processado".
FONTE:Bryan Marquard/(Tradução: Paulo Migliacci),Através do Portal Terra.

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